INTERADUS: março 2018

Todo Duro x Holyfield, a maior rivalidade do boxe nacional segue viva fora dos ringues

Símbolos da rixa entre Pernambuco e Bahia cultivaram o ódio para se esquivar dos golpes da pobreza




Bolo de rolo ou acarajé? Manguebeat ou axé? Carnaval de Olinda ou Salvador? Sport ou Bahia? Tem polêmica para todos os gostos, mas nenhum embate define tão bem a discórdia entre pernambucanos e baianos como a maior rivalidade do boxe brasileiro. De um lado, Luciano “Todo Duro” Torres, 53 anos, 82 kg, 1,72 metro, representando Pernambuco. Do outro, Reginaldo “Holyfield” Andrade, 51 anos, 86 kg, 1,80 metro, soteropolitano da gema. A história do confronto é o tema de A Luta do Século, documentário que chega aos cinemas nesta quinta-feira para revelar os bastidores de um combate que vai muito além dos ringues – e que, no fundo, não tem vencedor.


Lutar contra os infortúnios da pobreza, apesar dos feitos, troféus e cinturões, é o elo comum entre Todo Duro e Holyfield. Todavia, odiaram-se logo de cara. Eles duelaram pela primeira vez em 1996, no Recife, com vitória por pontos do dono da casa. A partir daí, a inimizade de contornos rocambolescos frutificou. Sempre que se encontravam, principalmente diante das câmeras, trocavam provocações e, não raro, partiam para as vias de fato bem antes de soar o gongo. Ganharam fama nacional em 2001, quando brigaram ao vivo em um programa da Globo e derrubaram o apresentador Rembrandt Junior, que tentava, em vão, separar os dois pugilistas. “Ele [Todo Duro] fica me incitando. Ofendeu a minha terra, falou que os baianos não prestam. Aí eu voei em cima dele”, justifica Holy.

As lutas se tornaram eventos grandiosos, que mexiam com o orgulho e os nervos dos Estados mais populosos do Nordeste. “Só perdi três vezes na Bahia porque fiquei com medo de não sair vivo se ganhasse. O povo de lá é mal educado, ficou tacando pedra e garrafa no ringue”, provoca Todo Duro, o mais falastrão. Segundo o pernambucano, a rivalidade se acirrou depois que saiu com uma ex-namorada de Holyfield. Além do rival, a quem costumava oferecer caixão e coroa de flores antes dos combates, angariou também a antipatia de muitos baianos por causa de suas falas abusadas. “Quando desço o braço no Holyfield, sinto que estou batendo na Bahia todinha”, afrontava. De tanto inflamar os ânimos, precisou sair escoltado do ginásio Balbininho, em Salvador. Depois de jogar o oponente para fora do ringue com um cruzado, Todo Duro foi cercado por uma multidão que praguejava contra ele os maiores impropérios. Houve quebra-quebra e até tiro para o alto, mas ninguém – fora Holyfield, que perdeu a luta por nocaute – saiu ferido.


Tamanha era a rixa que, às vezes, continuavam trocando socos mesmo após os juízes determinarem o fim do round. Em uma pesagem, na Bahia, Todo Duro ignorou a presença dos fãs de Holyfield, cuspiu sobre a mão direita espalmada e acertou em cheio o peito do baiano. “Dei-lhe ‘uma tapa’ que o negão perdeu até o rumo”, lembra, em tom provocativo. Ambos foram campeões do mundo pela Federação Mundial de Boxe, o segundo escalão da modalidade, mas não conseguiram ajeitar a vida por meio do esporte. “O boxe me deu muitas coisas, menos dinheiro”, diz Holy. Com o tempo, eles perceberam que alimentar a rivalidade, ainda que de forma não tão natural como nos tempos áureos do confronto, era a única saída para não caírem em desgraça.

Aos 15 anos, Todo Duro, que já trabalhava como jardineiro, descobriu a capoeira. Antes de migrar para o boxe, envolveu-se em confusão com um taxista no bairro do Curado, periferia de Recife. Foi acusado de tentativa de assalto e, quando vivia o auge da carreira, em 1999 – dez anos depois do entrevero –, acabou condenado a três anos e oito meses de prisão. Passou 36 dias no cárcere da Ilha de Itamaracá. Em que pese os tropeços, nunca abriu mão da língua afiada. Por causa dos golpes sofridos na profissão e hábitos não muito saudáveis, perdeu quase todos os dentes. Um deles, garante, teria sido arrancado por um jab de Holyfield durante o programa de Rembrandt na Globo. No entanto, nada lhe doeu tanto como a mágoa que guarda de agentes gananciosos. “Ganhei dinheiro no boxe, ajudei muita gente. Mas sabe como é empresário, né?” Viúvo e analfabeto, segue morando em um cortiço na periferia com a filha e uma irmã.



Na Bahia, a rotina do desafeto não é muito diferente. Reginaldo ganhou o apelido devido à semelhança física com o pugilista norte-americano Evander Holyfield. No início de 2011, perdeu a mulher, Iraíldes. Oito meses depois, a casa onde vivia na Cidade Baixa pegou fogo. Em desespero, se embrenhou no meio das chamas para salvar os dois sobrinhos. Teve mais de 40% do corpo queimado e ficou 50 dias internado. As queimaduras deixaram sequelas. Por isso, sofre com limitações para movimentar as pernas e os dedos da mão direita. “Eu acabei para o boxe”, disse após sair do hospital. Ao longo da recuperação, virou evangélico e aprendeu a ler, mas, desempregado, começou a se envolver em uma presepada atrás da outra pelas ruas de Salvador. Em 2015, brigou com um camelô, foi alvejado por outros seis vendedores ambulantes e levou uma paulada na cabeça. “Não dá pra bater em todo mundo. Isso só acontece em filme.” No ano seguinte, encarou um ex-boxeador argentino que o provocara na Feira de São Joaquim. Caixas de frutas e verduras que estavam pelo caminho foram destroçadas pela fúria de Holyfield. “Plantei a mão no argentino”, relembra, sem remorsos.

Por sugestão do traficante mais conhecido de Salvador, Raimundão Ravengar, amigo de Holy que tinha acabado de deixar a prisão, acertaram de fazer a última luta como uma tentativa de sanar a penúria financeira de ambos lutadores. Era o tira-teima, já que o confronto estava empatado (três vitórias para cada um). O cineasta baiano Sérgio Machado, que dirige A Luta do Século, já havia praticamente concluído as gravações do documentário quando Todo Duro e Holyfield assinaram o contrato pelo derradeiro combate. Porém, não poderia deixar de registrar o evento que marcaria o desfecho de uma rivalidade de mais de duas décadas. “Por trás de tanto ódio, tanta animosidade, só pode existir amor”, especula o diretor do filme. “O documentário é sobre a luta, mas também sobre como dois homens nascidos na miséria, mesmo com todo destaque que tiveram no esporte, não conseguem escapar da pobreza. A realidade no Brasil é cruel para qualquer um que seja negro, pobre, analfabeto e nordestino.”

Cerca de 5.000 pessoas presenciaram o embate final realizado em Recife, vencido por Todo Duro por decisão unânime dos juízes, em 2015. Ele voltou a se encontrar com Reginaldo nos eventos de divulgação do filme, regados pela troca de provocações, socos e ameaças. “Quando vejo o Holyfield, tenho vontade de atolar aquele psicopata. Se pego ele de novo, vou ‘estraçaiá”, vocifera o campeão. Retraído, de postura mais ingênua, Holy tem dificuldade para pronunciar as palavras. Usa uma prótese dentária ligeiramente maior que a boca, o que não lhe impede de expressar sua ira ao se referir a Todo Duro. “Um dia eu ainda vou ‘esbagaçá’ esse rapaz. O que é dele está guardado.” Negros, pobres e nordestinos, as semelhanças parecem irrisórias diante das diferenças cultuadas por dois boxeadores que agora, aposentados, travam uma batalha mais amarga e inglória. A luta contra o esquecimento.

Por: EL PAÍS

Empresária celebra escravidão em aniversário “top” para a filha. Debutante se vestiu de sinhá e jovens negros foram fantasiados de escravos.

Cenas causaram revolta nas redes e OAB do Pará pedirá providências


Na mesma semana do assassinato da vereadora Marielle Franco, negra e militantes dos direitos humanos, uma empresária do Pará postou nas redes fotos do ensaio para a festa de aniversário da sua filha de 15 anos, com o tema “Imperial Garden”, que faziam referência à escravidão.

Nas fotos, a garota branca, vestida de sinhá, é servida por três atores negros, que estão caracterizados como escravos. Uma das atrizes aparece ajeitando o vestido da garota. Nas imagens, aparece escrito “15zola top” e “top”. O ensaio fotográfico foi produzido por uma empresa que organiza festas, a Cerimonial Lorena Machado.

A Seccional do Pará da Ordem dos Advogados do Brasil anunciou que vai enviar uma representação para o Ministério Público do Pará (MPPA) para pedir providências. “Estamos analisando o caso e devemos encaminhar a representação para que o MPPA convoque a agência responsável pela celebração e proponha ao menos um ajuste de conduta, para que ela se comprometam a nunca mais realizar esse tipo de celebração”, afirmou o presidente da Comissão de Defesa da Igualdade Racial, Etnia e dos Quilombolas no Pará da OAB/PA, Jorge Farias, ao Diário do Pará.

Quando as imagens viralizaram, em um dia significativo para a comunidade negra, quando a pauta do racismo foi uma das principais das redes sociais, a repercussão da “festa top” também apareceu.

Pediu desculpas, mas voltou atrás
A empresária mãe da adolescente negou a acusação de racismo, em entrevista ao G1. “O racismo é uma acusação pesada. Em nenhum momento passou pela nossa cabeça menosprezar uma raça, tanto que em nossa família existem negros e índios”, afirmou. Na entrevista, a empresária ameaçou processar as pessoas que compartilharam as imagens na rede fazendo o que ela chamou de interpretações “de forma deturpada”.

Após a repercussão negativa, a empresa Cerimonial Lorena Machado deixou suas redes sociais restritas aos seguidores. Num primeiro momento, pediu desculpas pela atitude, mas em seguida voltou atrás. No post de arrependimento, a empresa de cerimonial dizia que, no dia 14, haviam preparado “um ensaio fotográfico de um aniversário de 15 anos, cujo tema é Imperial Garden” e que depois viram a reação de pessoas relacionando as imagens com racismo. E pedia perdão em letras maiúsculas:

Logo depois, o post de desculpas foi apagado. Ao BuzzFeed Brasil, a empresa disse que o post de arrependimento havia sido feito por um de seus funcionários sem sua autorização e que a festa será realizada no próximo dia 26.


Racismo romantizado
Ouvido pela Ponte, o professor de alemão da Universidade Federal do Pará (UFPA) Hewerton Barros contou que achou a atitude abominável. “Sobretudo porque remete a tempos difíceis para nós negras e negros, tempos que vêm sendo sempre reeditados. Banalizar isto desta forma só deixa mais clara a condição a qual querem que nós negras e negros estejamos sempre submetidos”, disse.

A estudante paraense Deise Moreira destaca que, no Pará, é comum as pessoas não reconhecerem que há racismo e que as instituições de ensino médio e superior não retratam a história negra como deveriam. “Atualmente, o povo paraense mal sabe o que é Cabanagem e só lembram da Adesão do Pará à Independência por causa do feriado estadual. O racismo começa aí, quando ‘esquecem’ que a maior revolta popular do Brasil foi perpetrada por negros e indígenas.”

“Em um país que viveu do século XVI ao XIX a infelicidade de ter como base de sua sociedade a escravidão e que vive, hoje, um momento de ampla discussão sobre as questões raciais que o afligem, é inadmissível que um processo tão dolorido seja tratado de forma romanceada”, afirma a historiadora Geisi Matos, aluna de mestrado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em História Social.

Geisi completa que a atitude é problemática e resgata uma clássica discussão que a História vem combatendo há anos: a ideia de que negros e brancos teriam vivido de forma “paternalista, branda e conciliatória a escravidão”.


“Além disso, a atitude liga a história do negro no Brasil apenas à sua participação na escravidão, o que é leviano, já que a história dos negros e negras no Brasil é feita de muito protagonismo e luta, fato que não pode ser invisibilizado dessa forma”, explica a historiadora.

Por: EL PAÍS

Postagem em destaque

O que é o Zika Virus?

Ano Turbulento no Brasil. Crise financeira e politica sem tamanho, desastres ambientais, a corrupção cada vez mais revelada e agora temos um...